A orfandade de um cinquentão
A orfandade de um cinquentão
O dicionário Aurélio define como órfão aquele menor desamparado, privado de pai, de mãe ou de ambos. O futevôlei nasceu nas areias de Copacabana, em 1965, órfão de pai e de mãe. A repressão policial às manifestações públicas contra o golpe de 1964 davam o tom de medo ao cenário carioca.
A repressão das ruas chegou às areias. Proibidos de praticar sua linha de passe à beira d’agua, um grupo de jovens correu para uma quadra de vôlei e lá permaneceu sob o olhar impotente da polícia. Ali, dentro de uma quadra, a prática era permitida. Nada poderia ser feito pelos policiais, que se viram obrigados a testemunhar o nascimento de uma modalidade.
Mal sabiam eles que 50 anos depois aquela “brincadeira” seria uma verdadeira febre mundial. E assim nasceu o futevôlei. Não teve planejamento, não teve teste de campo ou piloto. Não saiu de uma prancheta ou de um escritório.
Foi parido ali, na hora, na praia. Nasceu sem cuidados, sem registro, sem filiação, sem foto, sem suporte ou amparo. Nasceu sem pai e sem mãe. Filho da repressão e da criatividade. Sem qualquer um desses dois componentes, talvez estivéssemos jogando linha de passe até hoje. O “jeitinho brasileiro”, que tantas vezes nos envergonha a alma, estava ali manifestado em seu melhor perfume.
Da mesma forma que nasceu, o futevôlei também foi crescendo despretensiosamente. Sem nenhuma preocupação em manter-se “limpinho e saudável”. Não tinha quem lhe trocasse as fraldas e muito menos quem o dissesse “isto é certo e aquilo é errado”. Vendia o almoço a qualquer artista ou jogador de futebol famoso para comprar sua janta. Nas férias do futebol ele virava uma estrela.
Para falar a verdade, os jogadores de futebol profissional sempre foram marcantes na sua história. Quase pais adotivos. Não somente Tatá (Botafogo), Orlando Pingo de Ouro (Fluminense) e Almir Pernambuquinho (Flamengo) que o fizeram nascer. Edinho, Jairzinho, Doval, Júnior, Claudio Adão, Pedrinho foram alguns dos seus padrinhos mais atuantes. Até com Maradona teve um pequeno caso de amor em um verão carioca. Quase aos 20 anos conheceu as mulheres e com elas apreendeu mais sobre sedução e sobre a mídia. Jornais, tevês e revistas se encantaram com sua beleza e plasticidade.
O Futevôlei se tornara um jovem belo e sedutor. Acreditava que a fama o ajudaria na tão sonhada adoção. Mas tinha que ser à vera. Com compromisso de cuidar e ser cuidado. Toma lá, dá cá! Empresa, agência, instituição, rica ou pobre, não importava.
O importante era que se apropriasse daquele frescor e jovialidade e que lhe desse em troca um sobrenome permanente e pomposo como o Vôlei do Banco do Brasil, Natação dos Correios ou Futebol da Caixa. Ah, como ele quis um sobrenome desse. Flertou sério com Orloff, Camel, Itaú, Aquafresh, Hollywood e Skol. Todos amores de verão. Sumiam durante o ano e só ligavam quando apontava dezembro. Quando se é jovem, amor de verão é até bom, mas com o passar tempo a falta de um compromisso mais sério sendo vai empobrecendo a alma. Aos 30 anos de idade viu nascer um tal de Beach Soccer já com a Koch Tavares como mãe. “Como assim??? E eu aqui? Que sacanagem!!!”
Mas tinha um lado bom! O de dentro da quadra. Ali, se entregou a craques como Criollo, Gugu, Leivinha, Ronaldinho, Renan, André He Man, Belo dentre outros. Por esses, foi tratado com as honrarias de um lorde. Ali sim era feliz. Encontrou em Renato Gaúcho e Romário seus padrinhos de casamento mais notáveis e hoje pode ser visto sem pudor desfilando quase nu na casa de Ronaldinho Gaúcho, que lhe deu casa, quadra e bola lavada.
Mas a tão sonhada adoção, nada!!!
O futevôlei hoje é um cinquentão com muita história para contar. Criado na vida dura, se auto sustentou, cresceu, ficou mais forte e se habituou com orfandade. Hoje já viaja pelo mundo com tudo pago, no 0800. É habituée na Itália, Alemanha, Espanha e EUA. Até para a Ásia já foi. Ganhou o mundo, ficou famoso, tem cartão de visitas em várias línguas e hoje há até quem brigue para ser seu representante legal. Quem diria...
Enquanto o tal sobrenome não chega, segue destilando habilidade e beleza nas quadras mundo afora apresentando seu cartão de visitas com a identificação:
“Futevôlei do Brasil. Com muita honra e orgulho”
Ayrton Mandarino
CEO Footvolley4ever
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